Há muita desinformação, má fé e preconceito na polêmica criada em torno do livro “Uma vida melhor”, da professora Heloísa Ramos. O livro faz parte do Programa Nacional do Livro Didático, do Ministério da Educação, e vem sendo massacrado por diversos jornalistas e outros moralistas, sob a acusação de que a obra orientaria professores a ensinarem o “português errado” a seus alunos, em detrimento do que consideram o “bom e correto” uso da língua.
Não vou analisar a obra, até porque não li o livro, como não o fizeram 90% dos que o criticam. Considero mais importante as discussões sobre língua portuguesa, que as noções fundamentais sobre o funcionamento da língua e o seu ensino sejam esclarecidas.
Em primeiro lugar, é preciso superar a visão distorcida, preconceituosa e anticientífica de que existe uma língua certa e elegante e outra errada e grosseira, como se a língua fosse algo semelhante a um código de etiqueta.
Já está muito bem esclarecido, por mais de 100 anos de pesquisa lingüística, que as línguas são fenômenos sociais dinâmicos e que toda e qualquer língua varia no tempo e no espaço. Isso é o que explica que a fala do brasileiro do século 21 seja muito diferente daquela dos primeiros portugueses que aqui desembarcaram, ou que os moradores de Belo Horizonte tenham hábitos lingüísticos distintos daqueles dos moradores dos morros do Rio de Janeiro, e assim por diante.
Essas constatações são óbvias. Mas admitir isso é também admitir que não adianta gastar energia na ilusão de que se vai padronizar o uso oral da língua. Queiram os puritanos ou não, admitam os conservadores ou não, continuaremos aqui e em qualquer lugar a ter diversas variantes lingüísticas, de acordo com o espaço, o tempo e a classe social, entre outros fatores. Então não faz qualquer sentido a discussão que se paute sobre o que seja ou não seja permitido no uso da língua oral. A língua não tem dono, é produto de todos os falantes da comunidade. Portanto, falta legitimidade a quem quer que seja para dizer o que é certo ou errado na fala das pessoas.
Se a escola se concentrar em orientar os alunos na reflexão sobre a língua e na produção e compreensão de textos orais e escritos nos mais diversos gêneros, como cartas, crônicas, notícias de jornal, atos normativos, debates televisivos, entrevistas e outros tantas situações reais de produção linguística, creio que avançaremos em direção a uma educação de muito melhor qualidade.
Insistir no modelo defendido pelos que fazem parte da cruzada moralista, que defende a doutrinação dogmática para um modelo de língua que não existe no mundo real, é optar pelo duplo fracasso. Nem os alunos aprenderão as regras da gramática normativa, uma vez que ela é um compilado de explicações com quase nenhum fundamento científico, nem aprenderão o básico, o necessário e fundamental para os desafios que encontrarão na vida prática, que é a habilidade para ler e escrever os textos que circulam no mundo real.
Essas diretrizes não são objeto de minha própria reflexão sobre o ensino de português, embora as considere adequadas. São, em síntese, o que recomendam a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que é de 1996, e os Parâmetros Curriculares Nacionais, editados logo em seguida, ambos resultado de intenso debate social e de longa e fundamentada reflexão de estudiosos do assunto.
Até onde pude compreender sobre a intensa discussão criada em torno do livro Uma vida melhor, a autora simplesmente adota as concepções sobre língua acumuladas pela pesquisa e referendadas pela LDB e pelos PCNs. Além disso, ao contrário do que levianamente alegam os que querem censurar o livro, a publicação foi aprovada não pelo MEC, mas por um longo e democrático processo de avaliação. Por incrível que possa parecer, é exatamente isso que vem irritando alguns jornalistas e pseudointelectuais.
Simone B.Camargo
Professora Formadora de língua Portuguesa
Cefapro/ Polo Primavera do leste
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